Às escuras no deserto
Dia 5, Erg Chebbi
De regresso às montadas, uma quebra de “protocolo”. O Barradas já lhe tinha tomado o jeito, montou-se no animal e allé hop!... Em menos de um minuto o dromedário estava de pé pronto para as curvas do deserto. Ora o problema é que aquilo tem um procedimento. Assim que um levanta, faz efeito dominó e todos fazem o mesmo (os bichos estão presos uns aos outros por cordas). Por isso mesmo, a caravana apronta-se sempre do fim para o inicio. Sendo o dromedário do Barradas o terceiro de uns sete, havia pessoal que tinha ficado em terra! Nada de grave. Arreia-se o dromedário do Barradas e retoma-se a rotina. Daqui a pouco já seguíamos o caminho a passo de camelo (ou dromedário) duna acima, duna abaixo.

É impressionante como uns bichos daquela envergadura se conseguem mover naquele mar de areia. Estive a reparar e os tipos estão naturalmente preparados para a cena. Umas patas fortes com um pés largos, circulares e espalmados que não se enterram muito na areia, em especial as patas dianteiras que parecem ser maiores para vencer as subidas e travar nas descidas… Um belo trabalho da mãe natureza. Volta não volta, o dromedário do Benedito chegava-se à frente e nas “curvas” ficava ao meu alcance. Nesse momento fazia-lhe umas festas e o gajo gostava, chegava mesmo a ajeitar a cabeça para facilitar.
O meu e o do Barradas eram uns verdadeiros reguilas anti-sociais! O guia demonstrou-me isso ao tentar chegar à cabeça do “meu” dromedário. Levou logo um ameaço de dentada. As tentativas de “confraternização” do Benedito com o dromedário do Barradas (que seguia atrás) também eram escusadas. O fulaninho desviava a cabeça para o outro lado, claramente não apreciava o gesto.


Cerca de hora e meia depois, a navegar pelas areias, e já completamente embrenhados no deserto sem que à nossa volta se avistasse outra coisa senão dunas, chegámos ao acampamento. Antes do “curvar” da duna já se ouvia a música.
O acampamento situa-se num local abrigado por uma imensa duna a Oeste, e é composto por umas dezena de tendas agrupadas. Saímos dos dromedários e fomos conduzidos para um desses grupos de tendas. Sentaram-no num tapete em círculo e serviram-nos um chá. Instantes depois estava a noite posta, e olhando para o céu, tínhamos umas destas fabulosas vistas que só é possível ter num local destes, deserto e com total ausência de luz. Um céu estrelado como em pouco lado se vê, que parece ter sido polvilhado de estrelas. Algo verdadeiramente único!
Daí a um pouco vieram-nos chamar para o jantar, servido numa tenda comum. Sentados no chão como manda a tradição, estavam connosco os nossos companheiros de viagem (excepto os dromedários, claro) mais um grupo de japoneses que teriam vindo noutra caravana. Vieram umas tagines acompanhadas do habitual pãozinho típico. Começámos a falar com o casal marroquino que era uma simpatia. A senhora falava fluentemente francês, espanhol e inglês. Eu falava com ela francês, o Barradas espanhol e o Benedito inglês. Ficámos a saber que eram de Marraquexe e que era a primeira vez deles no deserto. Via-se que era pessoal bem informado e com uma posição confortável na vida. Ficámos ali à conversa uns com os outros, às tantas até um casal dos japoneses entrou na conversa. Pelo rapaz, um tipo muito eléctrico ficámos a saber que eram de Tóquio e que estavam ali apenas três ou quatros dias. Disse-nos ele que foi desejo da namorada, queria ver o deserto. Muito engraçado este encontro de culturas e histórias. Não se pode dizer que os berberes se esticaram no jantar, estavam bom mas curto. Saímos da tenda e fomos nos sentar de novo no tapete cá fora. Estava-se a preparar a festa. O Benedito não se sentia grande coisa, andava a chocar uma gripe. Foi directo para a tenda para dormir que nos tinham indicado, uma tenda só para nós três. Eu e o Barradas ficámos á espera que o espectáculo começasse. E iniciou algo tímido.
A fogueira não queria pegar e o batuque não estava muito ritmado. O pessoal foi desmobilizando e eu e o Barradas fizemos o mesmo após algumas tentativas de capturar seja o que for no escuro completo da noite.
Fomos à tenda fazer companhia ao Benedito, que já estava embrulhado nos lençóis.
A tenda era toda forrada a tecido e no chão estavam estendidos três colchões sobre os quais estavam feitas as camas. Ainda me lembrei da bicharada que poderá haver por aqui, mas depressa deixei-me de preocupações e confiei no know-how berbere. Toca a dormir que amanhã há nascer do Sol para ver às 5h00!
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