Maroquina à boleia
Dia 6, Tinerhir-Ouarzazate
Não estávamos parados há muito quando estaciona um Dácia marroquino à nossa frente. De lá sai um casal jovem na nossa direcção com um ar claramente ocidental. Ele de calções e t-shirt, ela de jeans, blusa, óculos escuros e um lenço na cabeça. O tipo aborda-nos num francês perfeito dizendo que a jovem queria dar uma volta nas nossas motas. Inicialmente não percebi, mas o tipo desenvolveu dizendo que ela só queria fazer um ou dois quilómetros numa das motas à pendura… Achei aquilo estranho, mas é verdade que os únicos veículos de duas rodas a motor por aqui são as terríveis mobylettes (pequenas acceleras a pedais) que circulam por todo o lado nas cidades. Bem, ainda lhe perguntei se por aqui fazer isso sem que ela leve capacete não nos traria problemas, o marroquino respondeu-nos que não. Confiamos, pois efectivamente raros foram os tipos que aqui vimos circular de capacete. De novo optou-se pelo Benedito para dar a boleia. Comecei por dizer à moça como se subia para a mota, mas ela respondeu que já sabia e que já tinha andado… Óptimo.
O Dácia arrancou logo, o Benedito segui-se e eu atrás dele com a câmara ligada. Às tantas vejo a Strom a arrancar à minha frente de goela aberta… Fizemos apenas alguns quilómetros e estacionámos de novo à beira da estrada. Tirou-se uma foto, o casal marroquino agradeceu o gesto, despediram-se e seguiram viagem. E nós ficámos ali alguns minutos a pensar na história… São loucos estes marroquinos…


Bem, continuámos o caminho. Já passava largamente do meio-dia quando passámos Tinerhir e por aí começámos a pensar no almoço. Estávamos à procura de grelhados, e no centro de uma localidade encostámos à sombra para ver o que havia. O Barradas foi ver mais à frente o que havia. Enquanto isso, um fulano marroquino na esplanada contígua começa a fazer-nos perguntas. De onde éramos? De onde tínhamos vindo? Se estávamos a gostar?... OK, perguntei-lhe se era possível comer alguma coisa de grelhados por ali. O tipo foi ver dentro do boteco da esplanada e voltou acenando com a cabeça que sim. Perfeito. Assentámos arraias na esplanada com as cabeças ao Sol e pedimos carne grelhada… Daí a pouco vimos o dono do estabelecimento sair, e passado instantes regressar com um saco de carne. Isto é muito comum. O marroquino diz sempre que sim, e se não tiver, vai comprar ao marroquino do lado. E assim ficam dois marroquinos contentes. Ainda esperámos um bocado, mas sem stress, tínhamos tempo para cumprir horário. Lá veio a carne grelhada, que não estava nem boa, nem má, antes pelo contrário. Veio acompanhada de salada marroquina (uma mistura de tomate, pimento verde, cebola e especiarias) e do habitual pão, claro, que também já não dispensávamos à refeição.



Comemos e pagámos. Já não me lembro do valor, mas estava balizado dentro dos níveis habituais. E estrada com elas (as motas) até Ouarzazate. Ali em redor de Tinehir reavistámos o magnífico vale do Draa, espectáculo que já tínhamos assistido no dia anterior quando descemos as gargantas. O Draa é o nome dado ao rio mais longo da Algéria e Marrocos cujo comprimento é estimado em cerca de 1100kms Existe uma extensão desse rio com cerca de 100km onde se forma um vale, que assume o nome do rio que o atravessa. Hoje em dia, apenas se avista o rio em toda a sua plenitude neste vale em anos de muita pluviosidade. Ainda assim este vale é maravilhoso pelo que aí se encontra um fabuloso palmeiral com uma extensão de vários quilómetros. Foi este fantástico espectáculo que avistámos da estrada durante algum tempo, um enorme palmeiral verde e viçoso, que constitui a maior fonte de tâmaras produzidas pelo país.

Este troço de estrada entre o deserto e aquilo que são consideras as suas portas (Ouarzazate) é de facto muito interessante de fazer. Depois do vale do Draa e das suas palmeiras, o vale das rosas. Local onde o cultivo de rosas é proeminente, o que se nota facilmente com a grande oferta à beira da estrada de perfumes e enfeites de rosas. Durante alguns quilómetros fomos assediados por miúdos e graúdos com a venda de colares e corações floridos. Este caminho também é conhecido pela abundância de kashbahs, uma espécie de fortalezas edificadas com uma argamassa à base de argila e excrementos de vaca. Impressiona quando passamos por elas na estrada, como aquelas edificações seculares de geometria por vezes duvidosa (feitas a olho) resistem às intempéries do ano.

A dada altura, quando atravessávamos mais um lugarejo e seguíamos atrás uns dos outros desencontrados na estrada, o Benedito começa a alargar a trajectória. Pois foi nesse preciso momento que um jipe turístico resolve nos fazer uma ultrapassagem. Foi por um triz que o Benedito não encostou a mala ao carro. Felizmente os tipos por cá têm o hábito de dar um toque de buzina quando passam, foi o necessário para o Benedito perceber o descuido e corrigir a direcção… Ia sendo.
Mais localidades, mais kashbahs e finalmente começámos a avistar o lago que limita Ouarzazate a Este.


Ouarzazate é uma cidade nova e moderna. Não tem Medina (centro histórico e religioso árabe de uma cidade) e deve o seu desenvolvimento sobretudo ao seu lado funcional de “porta de entrada” para o deserto. Também se popularizou pelas suas valências cinematográficas, com uma série de grandes produções a utilizarem os arredores como locais de filmagem. Mais um pouco e entrávamos em Ouarzazate pela sua enorme alameda. Uma avenida nova, ampla, organizada, repleta de candeeiros públicos estilizados e de sinalização luminosa, coisa que já não víamos há uns dias. Desta vez e ao contrário de Fés, tínhamos o ponto certo no GPS do local onde iríamos ficar. Tínhamos reservado um quarto no Dar Rita de Ouarzazate… E Rita não é árabe, é mesmo portuguêsa. Sim, outro tuga estabelecido em África. Ficaríamos no dar (cujo significado é casa em árabe) de Rita Leitão, uma portuguesa estabelecida em Marrocos. Saberia bem depois de alguns dias no meio dos dromedários a falar espanhol, inglês e francês conversar com alguém daqui em português. Atravessámos Ouarzazate de uma ponta à outra para chegar ao bairro onde se encontrava o dar. Chegar lá não é a coisa mais simples, temos de nos enfiar por umas ruas pequenas. Demos com o local facilmente e distribuímos as motas pela rua. Teve de ser o vizinho do dar a dar as indicações de como arrumar as motas, seria também ele que ficaria de olho nelas durante a noite. Descarregámos as malas como habitualmente e subimos para o nosso quarto. Na verdade e dado que a ocupação não estava esgotada, tivemos direito a dois quartos, que decidimos distribuir na forma habitual. Roncadores para um lado e o Barradas para o outro.
O Dar Rita segue a construção habitual dos dars e riads marroquinos. Habitações distribuídas em redor de um pátio central. E que boa pinta tinha este dar. Tudo perfeitamente decorado e distribuído pela mão de uma mulher europeia, nota-se bem. Soube bem sentir uma influência ocidental depois de uns quantos dias embrenhados no Marrocos profundo. O meu sistema digestivo estava a fazer uma reinicialização depois de umas quantas refeições marroquinas. Nada de grave, apenas uma purga necessária… Creio que seriam aquelas saladas marroquinas, uma presença sempre constante à mesa. Daqui em diante fiz questão em deixá-las sempre de lado... Tralha desembalada, aparelhos a carregar e descemos ao pátio do Dar para sair por Ouarzazate e procurar jantar. Perguntámos à Rita onde se comia bem, que nos passou a dica do La Halte junto a uma praça do centro de Ouarzazate. Cerca de dez minutos a pé. Perfeito, daria para relaxar e exercitar um pouco as pernas… Seguimos pela Avenida até à praça, onde estava uma animação dos diabos.



Muita gente para cá e para lá, e um bando de miúdos a jogar à bola.
Demos facilmente com o dito restaurante, diga-se com muito bom aspecto. Na ementa estavam as habituais tajines.

Pedimos cada um a sua e para acompanhar uns sumos de amêndoa. Os sumos de amêndoa eram na verdade batidos. Aliás, todos os sumos disponíveis eram de facto batidos.
Mas estava bem bom, a amêndoa combina de facto maravilhosamente com o leite. Serviram-se as tajines e cada um atacou a sua com categoria. Que pratos deliciosos, rematados no final com um crepe ao mesmo nível.
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No final estávamos bastantes satisfeitos, até com o preço que se manteve na média. Regresso ao dar pelo mesmo caminho, desta vez com as ruas praticamente desertas.








hoje as motas ficam cada uma em seu canto, com guarda claro
Ainda antes de dormir duas ou três tecladas nos portáteis para falar com as respectivas e carregar umas fotos… Finalmente desliga-se a luz para o descanso merecido.
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