O gondoleiro de Veneza


Dia 9, El Jadida

A mim apetecia-me enfiar-lhe o chapéu até aos queixos, mas ainda fui ter com o tipo e apontei-lhe o dedo ao nariz… E ele nada… Parece que estão treinados para não reagir. Por esta altura eu já tinha a voz bem alta, e o fulano podia não perceber francês, mas percebeu que estava de “trovoada” e estrategicamente mudou-se para o outro lado da rua… Bom esquece… Vamos mas é embora… Novamente, o mesmo “filme”. Não é por mais 50, ou menos 50 cêntimos, é pela atitude, e porque ninguém gosta de ser enganado.

Tínhamos mais uns quilómetros desta deliciosa estrada costeira para fazer. Às tantas, e porque já íamos fartos de andar pelo cimo da costa, metemos-nos por um caminho de terra que levava até perto do mar. Mesmo carregadas, um troço fácil para estas trails, apenas com algum cuidado no final onde o terreno tinha um pouco de areia.

Instantes antes o Barradas tinha feito uma paragem forçada. Segundo ele, a Tiger estava a fazer um “grilar” estranho em baixas, em mudanças altas. Ficou preocupado, mas a situação não parecia ser constante e do mesmo modo que veio, foi-se. Quando parámos lá em baixo uma inspecção mais atenta revelou que o suporte inferior de fixação do radiador estava em falta. Era o segundo parafuso que se perdia. O primeiro, um parafuso de fixação da carenagem da VStrom do Benedito tinha ido à sua vida logo no primeiro dia. Nada de grave, quer num caso, quer noutro, dado que as peças estavam fixas por outros pontos. Uma situação normal depois de tantos dias de solavancos e vibrações.

Talvez o ruído que o Rui sentiu momentos antes, tivesse a ver também com esta situação. Mais tarde atribuímos este grilar, e também umas falhas de ralenti que tinha sentido na minha Tiger à saída de Maraquexe, à qualidade da gasolina. Já tinha ouvido e lido sobre a falta de qualidade de gasolina por aqui, que deverá depender muito dos locais onde se abastece. Tentámos sempre que possível abastecer em estabelecimentos que pela sua aparência nos davam alguma confiança. Mas parece que por aqui o combustível tem alguma mistura de água, e ao fim de muitos quilómetros isso faz-se sentir no trabalhar dos motores… Nada de grave ou preocupante. Mais parafuso, menos parafuso, as três máquinas nunca se negaram a seguir a toque de acelerador.

Voltámos à estrada e ao nosso caminho. A paisagem continuava agradável, sempre com o mar à nossa esquerda. De caminho ainda vimos um ou dois dromedários a pastar à beira da estrada. Depois lembro-me de passarmos próximo daquilo que parecia uma feira de burros com centenas deles amarados às carroças do lado fora. Fizemos mais uns quilómetros e finalmente entrámos em El Jadida, o nosso destino. Na paragem anterior, numa estação de serviço à entrada da cidade, vimos que o Barradas não estava sossegado. Estava ali com um desarranjo na zona do abdómen. Deveria estar na mesma situação que tive há uns dias. O organismo estava a ressentir-se dos menus! Disse-nos que aguentava até ao hotel, mas a coisa estava agitada. Entrámos pelo souk de El Jadida, claro. Pelo meio das frutas e legumes chegámos à porta da fortaleza. Dado que não conseguimos arranjar as coordenadas certas do dar El Jadida (local onde iríamos ficar) as coordenadas que levávamos do GPS eram da proximidade da cisterna portuguesa.

Logo no interior da fortaleza estão uma série de lojas. Pedi ajuda a um lojista, que me indicou o caminho com a promessa de uma visita à sua loja, OK. Ainda me disse a correr que o avô dele era português, chamava-se João.
O dar não era muito longe dali. Passámos a cisterna, virámos numa ruela à esquerda e seguimos por ali, como nos tinha indicado o marroquino. A rua termina numa praça, e mesmo aí vislumbro um tipo de bigode abastado nos seus cinquenta e muitos a fazer-me sinal… É aqui!

Deixámos as motos na praça e a primeira coisa que fiz foi pedir ao fulano que apontasse ao Barradas o caminho da casa-de-banho… O Barradas saiu disparado e eu e o Benedito ficámos com o fulano… Chamava-se Massimo, era um ex-gondoleiro veneziano radicado em Marrocos e proprietário do dar El Jadida (ou “casa del gatto” em italiano). O Massimo arranhava o francês e o inglês. Fui falando com ele em francês, e percebíamo-nos. Como personagem é o típico porreiraço! Levou-nos logo para a entrada do dar e mostrou-nos no facebook umas fotos de outros portugueses que por ali tinham passado há dias. Não conhecíamos.



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