A fortaleza portuguesa


Dia 9, El Jadida

Na recepção estava um quadro pendurado com uma foto grande do Massimo na companhia da sua mulher, ambos em cima de uma Moto Guzzi… Ui, também é motard!

Por cima estava uma luva de cabedal, mas apenas uma. Explicou-nos que era a luva dele, e que numa volta de mota tinha perdido a outra. Também nos falou do grupo de amigos das motas que tinha em Itália (“Ombre Rosso”), e da morte da mulher há uns quatro anos… Estávamos em casa.
Ofereceu-se logo para nos servir o jantar, um magnífico spaghetti al salmone, por 60 dirhams… O Barradas já estava connosco, e esta oferta era tudo o que queríamos ouvir… Uma “pasta” feita por um italiano com pinta de apreciar bem as coisas boas da vida, não poderia com certeza desiludir… Aceitámos.

Seriamos os únicos a ficar no dar esta noite, pelo que em vez de ficarmos três no mesmo quarto, acabámos por ocupar os dois quartos de um piso. Os roncadores para um lado e outro para o outro. Foi aí que conhecemos a companheira do Massimo, uma marroquina dos seus trinta e poucos anos originária do Sul de Marrocos, junto à Mauritânia… Era alta, simpática, com uma pele de cor escura e feições mais africanas que marroquinas. Falava bem francês, mas tinha alguma dificuldade na construção das frases, o que por vezes confundia a percepção do que queria exprimir. Não fixei o seu nome. Era ela que parecia tratar da lida da casa. Foi ela que nos negociou um guarda para as motos na praça. Ficámos com dúvidas se seria mesmo necessário, ou se seria mais uma forma de fazer o “favor” a um desgraçado. Seriam 100 dirhams pelas três motas (3 euros cada) , mas em serviço de plantão. O tipo iria literalmente dormir de frente para as motas… Recomendaram-nos os serviços do guarda, porque a zona era antiga e tal… e nós aceitámos.

Queríamos claro, visitar a cisterna portuguesa. E por isso apressámo-nos em descarregar as malas e correr para lá. Na verdade não foi preciso correr, a cisterna ficava logo ali a 50 metros da casa do Massimo. Entrámos no edifício que faz também funções de esquadra. Pagámos a entrada, 10 dirhams (11 dirhams = 1 euro). Parece que é bilhete padrão, tudo o que é monumento nacional tem esse preço. Depois abriram-nos a porta de madeira de generosas dimensões que dá acesso à cisterna. E aí pudemos assistir ao maravilhoso espectáculo que é esta obra de arte da arquitectura Manuelina. Antes de continuar o relato, algum contexto histórico.
À semelhança de Essaouira, El Jadida é também uma ex-cidade portuguesa. Por volta de 1500 sob o nome lusitano de Marzagão, pela nossa mão foi aqui fundada uma vila. 40 anos passados, e depois da coroa portuguesa perder os portos de Agadir, Safi e Azemmour, o rei ordena a fortificação seguindo o modelo militar de fortaleza em estrela armada com cinco bastiões. Ao fim de um século, com o interesse dos portugueses virado para o “Novo Mundo” e o cerco árabe permanente, os habitantes de Marzagão transformam a antiga sala de armas em cisterna de águas pluviais, vital para a sua sobrevivência. O domínio português finda-se em 1769 quando a cidade fortaleza é retomada pelos árabes após um cerco levado a cabo com 120 mil soldados árabes e berberes. Na sua fuga, os portugueses destroem o que podem da cidade, tendo esta sido reconstruída apenas em 1820. É neste cenário que nasce e se mantém a “cisterna portuguesa”, obra de estatuto importante na arquitectura Manuelina e Renascentista, e desde 2004 incluída no restrito património mundial da UNESCO. E foi precisamente a este local que tivemos acesso.
O interior é iluminado por uma luz fraca e por uma abertura central em forma circular. O solo tem uma leve inclinação para o centro e é chumbado para garantir a estanquicidade.

Um dos efeitos cinematográficos deste local é proporcionado pela fina película de água que cobre o fundo. Proporciona um espelho de água perfeito, conseguindo reflectir os pilares e a luz exterior que passa pela abertura destinada a receber as águas pluviais. Os seus 34 metros quadrados de área habilitam a sala com propriedades de eco e conferem um ar austero ao local. E por ali estivemos mais de meia-hora, a tentar captar as melhores imagens deste fabuloso local! É claro, a fraca luz não é amiga da fotografia e dado que não tínhamos connosco tripés de jeito, tivemos de improvisar com as condições que havia.



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