Os estupores dos guardas...


Dia 7, Marraquexe

Por esta altura já não éramos tão ingénuos, e tínhamos por referência os 20 dirhams/mota (20 dirhams = 1,8 euros) que nos tinham levado em Fés para um parque coberto e fechado. Não mandámos ali um logo às poias, porque tínhamos acabado de chegar e ainda nos sentíamos deslocados. Vagou um lugar e enfiamos lá as motas. Nisto veio o chefe da maralha dizer que ali as motas não podiam ficar. Um tipo mal-encarado nos seus quarenta anos, tradicionalmente vestido. OK, toca a tirar as motas e encostar, entre todos decidimos que o melhor era um de nós ir ao Riad e pedir as “instruções do protocolo”, dois dos fedelhos que por ali andavam, prontificaram-se a ir comigo a pé até lá. Assim foi.

Quando cheguei ao riad fui recebido pela simpática Manuela, a proprietária de origem italiana. Perguntei-lhe se 300 dirhams (27 euros) era preço razoável para três motas naquele lugar. Ela torceu o nariz aos dois putos que me tinham acompanhado, e disse-me que manifestamente não, e que geralmente o capataz do parque até costumava ser simpático… Pois talvez, para carro. Quando se tratam de motas, parece que o “sistema” não está preparado, entra em colapso. No entretanto um dos fedelhos avança com uma nova proposta de 20 dirhams por mota em parque fechado… Bom, esta parece-me razoável. Ela já os conhecia e perguntou-lhes claramente se o preço era esse mesmo e se depois não mudava. O pilecas confirmou o preço e saímos dali de volta às motas para resolver o assunto.

O riad não era longe do parque mas ficava num dos becos da Medina. De modo que desamarrámos a bagagem e levámo-la a pé. Aliviados das bóias laterais estávamos mais à vontade para enfiar as máquinas Medina adentro. Os putos iriam nos levar ao dito parque, e pelos vistos queriam andar os dois de “cu tremido”. Um seguia à boleia do Benedito (o taxista oficial da viagem) e outro queria montar-se na Tiger do Barradas… Só faltava mesmo o chefe da canalha querer ir à minha boleia!... Lá se convenceram que um bastava, e seguiu o Benedito à frente com o “guia”. Foi com bastante frisson que fizemos o caminho até ao suposto parque. O caminho fez-se por ruelas estreitas, mudanças de direcções apertadas, tudo desviando de bancas, pessoas e mobylettes a circular em todas as direcções. Um bom momento para mais tarde recordar! O parque de estacionamento era praticamente todo ele coberto e tinha boa pinta… Mas, e eis o revés… O homem queria 30 dirhams por cada uma das motas... Chiça penico!... Não é por serem mais 10 dirhams que não chega a 1 euro, mas é a atitude e o princípio!… Por esta altura já estávamos fartos de propinas, esquemas e serviços impostos, em suma de marroquinices! De Ouarzazate para a frente é onde estão os malandros. Oferecemos 20 dirhams, o tipo aceitou 25 desde que saíssemos cedo de manhã. Ligámos as motas e viemos embora. Confusão de novo até ao riad e estacionámo-las ali. Pedimos para falar com a Manuela para nos dar uma ajuda. Tínhamos de esperar pois ela estava no banho. O pintelho que tinha ido à boleia não desmobilizou e para ajudar á festa, estava ali o comparsa dele também. Mostrei-lhes o nosso desagrado e pedi-lhes que dessem corda aos sapatos, já não precisávamos mais dos serviços deles. Disse-lhes que se não sabiam o preço, então não o confirmavam como fizeram. Responderam-me que não sabiam que o parque tinha aumentado, coisa e tal… E não arredaram pé. Às tantas um deles, e perante o meu desagrado cada vez mais notório, começa a dizer que o preço que ele tinha dito era 20 ou 30 dirhams… Raios o partam ao pintelho!... Se há coisa que me tira do sério é o desmentido e dar o dito pelo não dito. Veio-me um rasgo de fúria à cabeça e mandei uma arrochada à topcase do Barradas. Foi à topcase, porque o fedelho mentiroso estava a três metros de distância… Estávamos cansados, fartos de andar para a frente e para trás, e de ser comidos em esquemas e este pulha estava agora a dizer que o mentiroso era eu!…

Era preciso não perder o controlo, e por isso informei que ia ali ao lado andar um bocado para acalmar. Assim fiz, afastei-me e fui fazer os cem passos na rua ao lado. Foi por esta altura que comecei a ouvir o Barradas a elevar a voz e perguntar ao pirralho que idade é que ele julgava que nós tínhamos. Voltei ao lugar, e perante a minha insistência e do Barradas um dos putos decidiu desmobilizar, precisamente aquele que nos tinha levado ao parque. O outro ficou, sem dizer cheta. Às tantas perguntei-lhe o que estava ele à espera, e disse-lhe para meter-se a caminho. Respondeu-me que aguardava a Manuela para que falássemos todos. OK, pareceu-me razoável. Quando veio a Manuela, expliquei-lhe a cena, e ela de imediato confrontou o rapaz. Perguntou-lhe como podia ter confirmado à frente dela o valor por mais de uma vez, quando não tinha a certeza. O tipo desdobrou-se em explicações e não adiantou nada. Nisto tinha chegado o vizinho do Riad, um marroquino dos seus trinta que viva em frente. Imediatamente a Manuela perguntou-lhe onde poderíamos deixar as motas, o tipo lembrou-se de um parque onde segundo ele não seriam mais de 30 dirhams.
A história acabou com a Manuela a dar 20 dirhams ao puto ranhoso e nós a aceitar a proposta do marroquino. Seguimo-lo pela Medina, desta vez sem boleias. O tipo ia se esgueirando pelos atalhos das ruelas e nós a reencontrá-lo mais à frente. Fomos assim até ao parque de estacionamento, um local fechado de aspecto pouco cuidado, mas que serviria perfeitamente para deixar as máquinas em descanso. Ele foi primeiro lá dentro para ver do preço. 40 dirhams cada por 24 horas… Mau… Não espera, 33 cada pelo mesmo… OK, perfeito, 24 horas dar-nos ia tempo para aproveitar Marraquexe durante a manhã e recuperar todo este tempo perdido! Aceitámos e agradecemos.

Já passava das 20h quando demos por terminado este triste episódio. Confesso que aqui se desvaneceu um pouco do encanto do povo marroquino. Felizmente e como se compreende, nem todos são iguais. Fiquei com a impressão que à medida que nos vamos aproximando da costa a malandrice e oportunismo aumenta. Há mais esquemas de angariação, onde quem paga perde facilmente a noção de como e por quem está a ser distribuído o seu dinheiro. Imagino facilmente que os 30 dirhams que nos foram pedidos seriam repartidos entre o responsável pelo parque de estacionamento fechado, o puto que lá nos levou e até talvez o chefe guarda do parque da Prefeitura. E depois este pessoal cria necessidades onde não existem e cobram por isso. O parque da Prefeitura é um bom exemplo. Trata-se de um local público gratuito explorado por uma teia de aldrabões que não faz nenhum o dia todo e que se apropriou daquele local sem sequer os terem instituído!
Bom, finalmente estávamos instalados, ainda que separados em dois hóteis. Por uma questão de disponibilidade de quartos, o Benedito teve de ficar a solo noutro hotel ali próximo. Eu e o Barradas ocupámos um duplo no Mon Riad, e que pintarola de quarto. Todo o riad era fabuloso! Mantendo a traça original estava soberbamente decorado num estilo árabe e ocidental, combinados em perfeita harmonia. Depois de instalados tratámos de sair à rua para desfrutar todo o ambiente da Medina. O Benedito já tinha assentado arraiais no riad ao lado do nosso e já nos aguardava à porta para sairmos juntos. O principal motivo por termos optado por esta localização era a proximidade da famosa praça Jeemna El Fna. Esta praça é provavelmente a mais importante de Marraquexe, ou pelo menos da Medina.

Marraquexe é com certeza o centro turístico de Marrocos. A cidade está povoada de pessoas de outras nações e as ofertas levam isso em consideração. O mercado da Medina é enorme e não faltam por lá muitas “chinesices”, tornando-o de alguma maneira menos autêntico. Saímos pelas estreitas ruas em direcção à praça, espreitando à distância as diversas lojecas. Havia de tudo, umas atrás das outras. Candeeiros, roupas, sapatos, comida, especiarias, enfim… Um sem-número de coisas! No caminho lembro-me de pararmos à frente de uma loja de produtos naturais o que fez logo sair o lojista. Fomos logo puxados lá para dentro, aliás é o truque que todos usam. Primeiro entra-se só para “ver”, depois fazem-nos uma demonstração, e a seguir virá o provável negócio.

O tipo extremamente simpático fez-nos uma demonstração de um pouco de tudo. Sabonetes, perfumes naturais, pedras, pastas e pós. A melhor foi quando misturou cominho negro com cristais de eucalipto num pedaço de tecido e nos fez inalar esta curiosa combinação. O Benedito que estava com o nariz congestionado ficou logo bom, com o olfacto recomposto ao estado normal. Eu experimentei e bateu mesmo forte! Inspirado com vigor é uma sensação refrescante e aliviante que vai até ao centro do moina, literalmente. O fulano ia fechar a loja e nós queríamos comer, pelo que ficámos de ali voltar no outro dia.

Finalmente chegámos à praça, e que cenário… Numa das extremidades encontravam-se as barraquinhas de fruta, sobretudo laranjas, tâmaras e frutos secos. No centro estavam várias dezenas de tendas de comes e bebes e uma fumarola no ar que fazia impressão! Caracóis, pão, espetadas, camarões, salsichas e outros petiscos eram servidos em pequenos pratos a quem quisesse sentar-se nas mesas e bancos corridos em redor das pequenas bancas. Havia angariadores a tentar convencer os passantes que ali se come melhor. Levávamos uma cábula. Tínhamos como referência de confiança a barraca nº1 (todas elas estão numeradas). Sentámo-nos à mesa e espreitámos o menu. Mandámos vir pão, sopa, uns camarões, umas espetadas e umas merguez (salsicha de carneiro e vaca meio picante). Apesar de todo o aspecto rudimentar da coisa senti-me ali bem, estávamos a viver a cena e a sentir o espírito! Estivemos ali talvez uma hora, a petiscar nas calmas e a falar desta vida bem boa…

Depois fomos às compras. Ou pelo menos a ver o que havia. Encontrámos uma t-shirts com impressão alusiva a Marrocos que achámos piada. Regateamos ali um bocado, baixámos o preço para as três, e lá as levámos, uma para cada um. Ainda antes de regressarmos aos riads, o Benedito ainda conseguiu negociar um magnífico puff em pele cujo preço final depois de regateado ficou em metade, cerca de 350 dirhams (cerca de 32€). A parte da manhã do dia seguinte estaria guardada para mais negócios. O Benedito deixou-nos à porta do nosso riad e seguiu para o dele. No quarto ainda se carregaram algumas fotos na net, antes de reclamarmos o devido descanso!



Leave a message