A lenda de Tislit e Islit


Dia 5, Médio Atlas

Novamente acordei antes da hora e apercebi-me que os franceses estavam de partida. Quando saímos das camas, os tipos estavam a arrancar de moto-quatro.

parte do hardware dos franceses

Fomos à vez aos banhos. Apesar de haver dois chuveiros, de Verão só corre um fio estreito de água pelo que só pode servir um de cada vez. O pequeno-almoço seria dentro do auberge, porque estava um “calor esquisito” para ser servido com vista para o lago. E nada ficou a dever aos outros pequenos-almoços! Pão, doce, crepes, bolos e até uns iogurtes. Enquanto comíamos a Malika e o Said fizeram-nos companhia. Uma simpatia autêntica como não estamos habituados. Aliás chega a causar estranheza, um trato genuíno de bondade a que nós europeus não estamos habituados.

mesa posta

Falámos de uma série de coisas. Falou-se da lenda do lago retratada em dois enormes murais na sala de convívio. Eu já conhecia a história, mas confirmei-a pela boca de Malika. Em traços gerais a história atribui a origem dos dois lagos (Tislit e Islit) a um amor impossível entre um casal de jovens namorados de tribos berberes rivais (uma belíssima rapariga de nome Tislit, e Islit, um valente e corajoso rapaz). O ódio de morte entre os dois clãs tornou a relação impraticável e os dois morreram após cada um se esgotar num lago de lágrimas.

o magnífico lago Tislit

A título de curiosidades, estes lagos são muito procurados para pesca, conseguindo-se aqui apanhar um valente pescado. Segundo Malika, Tislit terá cerca de 25 metros de profundidade e Isli por volta de 85.

nós e o pessoal do auberge

Mas houve tempo para falar de tudo um pouco. Dos reis governantes de Marrocos, do que os marroquinos achavam deles, da crise na Europa, do conflito marroco-algeriano, das estradas, do desenvolvimento do país e até dos vários portugueses que por ali passaram. O auberge tem um livro de honra, e claro quisemos também deixar por lá umas palavras! Foi o Barradas que fez o obséquio e os restantes claro, assinaram de cruz. Ainda perguntámos ao Said se os nossos nomes nas t-shirts que tínhamos mandado fazer estavam bem escritos, e estavam mesmo. Nas costas é que parece que estava escrita “Pornogal”, em árabe duas ou três pintas fazem toda a diferença! Ficámos com pena de não ter trazido uns autocolantes do logo da viagem para colar na imensa porta do auberge que serve de autêntico mural das diversas viagens do pessoal que por aqui passa.

muitos testemunhos de gente que por aqui passou

Carregámos as motos com as malas e ainda se tirou uma foto de família à porta do auberge. Inicialmente a Malika estava reticente, mas depois lá acedeu e o Said pediu-nos para que depois lhe enviássemos a foto para a morada. A conta ficou por 300 e picos dirhans cada, sei que ficámos com vontade de entre todos lhes darmos mais 50 dirhans. Ainda antes de abalarmos o Barradas enfiou um pão marroquino e umas madalenas que a Malika gentilmente nos deu. Lá fomos. Passámos Imilchil com o seu ar típico de aldeia do Atlas e parámos mais à frente para lubrificar correntes, junto a um oued e longe da miudagem.

o aspecto de um oued

Daí em diante foi um alternado de paisagens áridas de beleza fantástica e de pequenas localidades típicas com casas de barro amontoadas.

Sempre que passávamos pelas aldeias os miúdos acorriam à beira da estrada acenando e estendendo os braços. Foi-se parando no caminho para tirar umas fotos. Numa dessas paragens fomos de novo assolados por um bando de miúdos pedinchões. Distribuímos algumas mãos cheias de rebuçados por eles e seguimos viagem. A estrada ia serpenteando pelo meio de montes e vales, por vezes cruzando com oueds, alguns secos outros com fraco curso de água.

Às tantas a estrada começa a perder altitude de uma forma torcida, ao nível do que há de melhor nos Alpes. Mesmo assim não nos esticámos nas curvas, aqui o piso está sempre muito sujo com terra, gravilha e outras coisas prontas a surpreender o motociclista.

médio atlas

Depois deste bonito circuito, mais algumas localidades, rectas e uma Triumph Tiger a cruzar-nos em sentido contrário… Olha, olha, o que havia de andar por aqui! Uma XC laranjinha como a minha! Fizemos o cumprimento e uma festa, que curiosa coincidência. Finalmente a paisagem mudava para assumir contornos de desfiladeiro. Estávamos a entrar no Todra e nas suas “gargantas” (desfiladeiro).



Deixe-nos a sua mensagem