A loira de um metro e noventa
Dia 6
É para levantar de manhã?... Não fiz eu outra coisa a noite toda.
Este meu desarranjo intestinal deixou-me de rastos. Mas o que tem de ser, tem muita força, e hoje tínhamos de sair de Andorra e seguir para Madrid.
Higiene matinal, um jeito na tralha, e descemos para comer alguma coisa. Café para mim e pouco mais que por hoje não quero "borrar mais a pintura"... literalmente.
O pequeno-almoço era farto e bruto do tipo americano ou melhor continental, este é o termo certo. Pão, bolos, fruta, ovos mexidos, carnes frias e quentes, um fartote…
Pagámos a conta e saímos com as motas. Na rua estava fresco. O vale de La Vella estava ainda na sombra. Rumámos para Sul em direcção à fronteira.


Ainda em Andorra abastecemos as Tiger até ao gargalo, ao preço a que está o precioso líquido (cerca de 1,20€) era burro não fazê-lo. Tinha combinado com o Rui de levar uma das suas duas garrafas de whisky. Isto para evitar chatices à saída. O limite por pessoa é de 1,5 listros para bebidas com graduação alcoólica superior a 22%. Ora duas garrafas grandes de 40 e picos % cada uma não se livraram com certeza de ser taxadas. A passagem foi pacífica, nem sequer nos pararam, passámos tranquilamente.
Saindo do vale encontrámos o Sol. Céu limpo, um excelente dia em perspectiva. Acabámos por ter sorte com o tempo, tirando aquele dia mais cinzento entre Gavarnie e Vielha, o clima esteve agradável e constante, o que não é sempre garantido por aqui.


O Rui tinha encontrado um traçado alternativo à autovia, uma estrada entre Coll de Nargó e Figols de Tremp bem sinuosa por meio de um cenário interessante. Esta é uma das vantagens de se planear a viagem com antecedência, permite-nos estudar o terreno e não correr o risco de passar ao lado das coisas interessantes.


E raios, que estrada infernal (no bom sentido). Fomos durante uma boa hora por uma estrada estreita que ora subia, ora descia pela serra e que parecia não acabar mais com curvas. A paisagem era muito semelhante às nossas serras do interior. Encostas cobertas de arvoredo cerrado. Não fosse eu não estar nos meus melhores dias e aquele percurso teria sido eufórico. Fomos a bom ritmo sem exageros, a velocidades que o traçado permitia. Confesso que ao cabo de meia-hora disto já ia farto daquilo. O raio de uma dança que não terminava. Mais uma descida ao “esses” e finalmente alguma estrada a direito e logo de seguida passagem por Tremp. Estávamos a sair da serra.

E começámos a subir de novo. Agora com o Sol empinado e um pouco mais de calor. Parámos num miradouro que encontrámos de caminho, no Coll de Montiloba a 1080m de altitude.
Daqui avista-se muito bem Fígols de Tremp.

Enquanto por ali estávamos chega um casal alemão cada um na sua montada. Ele numa KTM SMT e ela numa mota de enduro. Ele não era baixo, mas ela era mais alta que ele. Aproximaram-se das Tigers, o tipo era simpático e trocámos umas palavras. Estava interessado numa Tiger, e rapidamente abriu o casaco para mostrar uma t-shirt da Triumph que tinha por baixo. Em casa, tinha uma Speed Triple. Depois disse-nos que estava a pensar comprar umas Tigers, que a SMT era um pouco viva de mais para estas andanças turísticas… Demos-lhe o nosso feedback, mas pela conversa deu para perceber que o tipo já estava convencido.

Despedimo-nos e continuámos o nosso caminho que nos levou a uma região curiosa. Zona agrícola de planícies e forte actividade pecuária que se fazia bem notar por cada aldeia que a passávamos. Muito gado por aqui.
Os vilarejos eram feios que nem sapos. Umas casitas mal amanhadas algumas por acabar, sem reboco ou por pintar. Ao cabo de passar umas quantas aldeias, percebe-se que não é defeito, é feitio. É assim a arquitectura da região. Para trás tinham ficado os chalés de telhados em ponta, aqui trabalha-se no campo, as necessidades são outras. Fizemos uns quilómetros assim, onde o estrume ou se via na estrada, ou se sentia no ar.

Ainda antes de apanhar as autovias em direcção a Madrid e de passar por Huesca passámos por um local curioso. Um troço curto de estrada que ladeia o rio Ésera. Um pedaço de caminho bem interessante enfiado numa espécie de garganta de rio.
Tivemos de parar para capturar umas imagens. Não ficasse tão longe, seria uma zona para regressar e explorar.


A estrada seguia afastando-se do rio, e mais adiante depois de passar ao largo de Zaragoça entroncámos na autovia. Daqui até a Madrid aguardavam-nos pouco mais de 300kms monótonos em velocidade de cruzeiro.
Acabámos por ir andando e já foi tarde quando decidimos encostar para almoçar… Eu nem queria saber de comer. Estava cansado, desconfortável mas com a dita situação controlada. Estava com receio que comer perturbasse alguma coisa. Mas bom, uma pessoa tem de se alimentar.
Parámos numa daquelas casas enormes que serve de apoio aos camionistas. Estacionámos as Tigers debaixo do alpendre e entrámos. A primeira sala estava reservada para petiscos ou "tapas" como por aqui se chamam. A segunda sala destinava-se a refeições ou "raciones". Fomos para a segunda sala, e ficámos logo de olhos em bico.
Lá dentro, numa divisão ampla estavam dispostas umas série de mesas com pessoal de trabalho a almoçar. Ao balcão estava um tipo novo, alto, com formato de armário. O tipo era mesmo grande, e o facto de estar a vestir um tamanho abaixo do que deveria exagerava mais o efeito. Junto dele estava uma jovem alourada, em cima de uns tacões que a faziam crescer para um metro e noventa. Com uma mini-saia (mais mini que saia) exibia uma bonita tatuagem num pernão que não deixava ninguém indiferente. Sentámo-nos e veio logo a "pequena" ter connosco. Aqui reparei melhor nas feições. Bonita com feições pouco espanholas, cabelo curto molhado, olhos cinza azulado, carregada de pintura (como é costume das damas por cá) e com uma argola no nariz… Bolas, o raio da argola é que não ficava ali bem… A rapariga estava a tratar dos pedidos. Pedimos um menu cada um. Optei pelo creme de verduras seguido de frango no forno. A moça reparou na minha câmara (sem segundas intenções, tá?) que costumo levar montada (sem malícia, ok?)... no capacete, e começou-me a fazer perguntas, sobre preços e tal. Ficámos a perceber que ela e o marido (o "gigante" ao balcão) pertenciam a um MC de ferros. Actualmente estava sem mota, só o marido é que rolava numa belíssima Rocket III que por acaso já tínhamos avistado lá fora. A comida estava na média, nem boa, nem má, antes pelo contrário.
E siga caminho que se faz tarde. Mais umas centenas de quilómetros a direito até à capital espanhola.
Estava completamente estourado e foi com algum custo que cheguei ao destino. Em Madrid, optámos por ficar afastados do centro num hotel que já conhecíamos. Bom preço, boas instalações e garagem para ficarmos descansados com as Tigresas. O Barradas foi à recepção fazer o checkin enquanto fiquei no passeio a olhar pelas motas. Daí a pouco o rapaz vem sai de lá todo encavacado... O Rui tinha-se enganado no dia das reservas, marcou-as para a véspera. Dado se tratar de uma reserva on-line, o valor já tinha sido debitado, cabendo-nos agora apenas fazer nova marcação… Só lhe disse: "Ó pá, se essa for a chatice da viagem estamos muito bem!…" Vamos mas é descarregar as burras que preciso de ir ao WC… Deixámos as Tigers na garagem e subimos aos aposentos. Os quartos parecem ter sido renovados e modernizados, boa pinta.
Chegamos ainda com luz do dia e não fosse a minha má disposição ainda teríamos dado uma volta ao centro. Mas estava mais para encostar que para passear.
Ficámos ali um bocado até à hora de jantar e descemos à rua para tratar da barriga... Quer dizer, eu fiquei pelos líquidos, achei que a coisa ainda não estava capaz. Não fomos muito longe, só até ao Burger King da esquina, que tinha um movimento incrível. Enquanto ali estivemos deu para observar a grande comunidade Sul-americana que vive em Madrid. As feições com características índias não enganam. O Barradas comeu uma hamburguesa típica, eu deitei abaixo meio-litro de Ice Tea e fiquei-me por ali. Voltámos ao Hotel e depois de umas tecladas na net seria hora de dar descanso aos ossos. Amanhã ainda temos um bom bocado de estrada até casa, a ver se tenho uma noite mais descansada.
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